O carteiro entregou o
telegrama. José não
agradeceu e enquanto abria o
envelope, uma profunda ruga
sulcou-lhe a testa. Uma
expressão mais de
surpresa do que de dor
tomou-lhe conta do rosto.
Palavras breves e incisas:
Seu pai faleceu. Enterro
18horas; Mamãe.
Jose continuou parado,
olhando para o vazio.
Nenhuma lágrima lhe veio aos
olhos nenhum aperto no
coração. Nada! Era como se
houvesse morrido um
estranho.
Por que nada sentia pela
morte do velho? Com um
turbilhão de pensamentos
confundido-o, avisou a
esposa, tomou o ônibus e se
foi, vencendo os
silenciosos quilômetros de
estrada enquanto a cabeça
girava a mil. No íntimo, não
queria ir ao funeral e, se
estava indo era apenas para
que a
mãe não ficasse mais
amargurada.
Ela sabia que pai e filho
não se davam bem.
A coisa havia chegado ao
final no dia em que, depois
de mais uma chuva de
acusações, José havia feito
as malas e partido
prometendo nunca mais botar
os pés naquela casa. Um
emprego razoável, casamento,
telefonemas à mãe pelo
Natal, Ano Novo ou Páscoa...
Ele havia se desligado da
família, não pensava no pai
e a última coisa na vida que
desejava na vida era ser
parecido com ele. O velório:
poucas pessoas. A mãe está
lá, pálida, gelada, chorosa.
Quando reviu o filho, as
lágrimas correram
silenciosas, foi um abraço
de desesperado silêncio.
Depois, ele viu o corpo
sereno envolto por um lençol
de rosas vermelho, como as
que o pai gostava de
cultivar. José não verteu
uma única lágrima, o coração
não pedia. Era como estar
diante de um desconhecido um
estranho, um...O funeral: o
sabiá cantando, o sol se
pondo.
Ele ficou em casa com a mãe
até à noite, beijou-a e
prometeu que voltaria
trazendo netos e esposa para
conhecê-la. Agora, ele
poderia voltar a casa,
porque aquele que não o
amava, não estava mais lá
para dar-lhe conselhos
ácidos nem para criticá-lo.
Na hora da despedida a mãe
colocou-lhe algo pequeno e
retangular na mão.
- Há mais tempo você poderia
ter recebido isto - disse.
- Mas, infelizmente só
depois que ele se foi eu
encontrei entre os guardados
mais importantes...
Foi um gesto mecânico que,
minutos depois de começar a
viagem meteu a mão no bolso
e sentiu o presente. O foco
mortiço da luz do bagageiro,
revelou uma pequena
caderneta de capa vermelha.
Abriu-a curioso. Páginas
amareladas.
Na primeira, no alto,
reconheceu a caligrafia
firme do pai: “Nasceu hoje o
José. Quase quatro quilos! O
meu primeiro filho, um
garotão! Estou
orgulhoso de ser o pai
daquele que será a minha
continuação na Terra!”.
À medida que folheava,
devorando cada anotação,
sentia um aperto na boca do
estomago, mistura de dor e
perplexidade, pois as
imagens do passado
ressurgiram firmes e
atrevidas como se acabassem
de acontecer!
“Hoje, meu filho foi para
escola. Está um homenzinho!
Quando eu o vi de uniforme,
fiquei emocionado e
desejei-lhe um futuro cheio
de sabedoria. A
vida dele será diferente da
minha, que não pude estudar
por ter sido obrigado a
ajudar meu pai. Mas para meu
filho desejo o melhor. Não
permitirei que a vida o
castigue”.
Outra página... - “me pediu
uma bicicleta, meu salário
não dá, mas ele merece
porque é estudioso e
esforçado. --- Fiz um
empréstimo que espero
pagar com horas extras”.
José mordeu os lábios.
Lembrava-se da sua
intolerância, das brigas
feitas para ganhar a sonhada
bicicleta. Se todos os
amigos ricos tinham uma, por
que ele também não
poderia ter a sua? Ӄ duro
para um pai castigar um
filho e bem sei que ele
poderá me odiar por isso;
entretanto, devo educá-lo
para seu próprio bem”.
”Foi assim que aprendi a ser
um homem honrado e esse é o
único modo que sei de
ensiná-lo”.
José fechou os olhos e viu
toda a cena quando por causa
de uma bebedeira, tinha ido
para a cadeia e naquela
noite, se o pai não tivesse
aparecido para impedi-lo de
ir ao baile com os amigos...
Lembrava-se apenas do
automóvel retorcido e
manchado de sangue que tinha
batido contra uma
árvore...Parecia ouvir
sinos, o choro da cidade
inteira enquanto quatro
caixões seguiam lugubremente
para o cemitério.
As páginas se sucediam com
ora curtas, ora longas
anotações, cheias das
respostas que revelam o
quanto, em silêncio e
amargura, o pai o havia
amado. O “velho” escrevia de
madrugada. Momento da
solidão, num grito de
silêncio, porque era desse
jeito que ele era, ninguém o
havia ensinado a chorar e a
dividir suas dores, o mundo
esperava que fosse durão
para que não o julgassem nem
fraco e nem covarde.
E, no entanto, agora José
estava tendo a prova que,
debaixo daquela fachada de
fortaleza havia um coração
tão terno e cheio de amor. A
última página.
Aquela do dia em que ele
havia partido:
- “Deus, o que fiz de errado
para meu filho me odiar
tanto? Por que sou
considerado culpado, se nada
fiz, senão tentar
transformá-lo em um homem de
bem?” “Meu Deus, não permita
que esta injustiça me
atormente para sempre. Que
um dia ele possa me
compreender e perdoar por eu
não ter sabido ser o pai que
ele merecia ter”.
Depois não havia mais
anotações e as folhas em
branco davam a idéia de que
o pai tinha morrido naquele
momento, José fechou
depressa a caderneta, o
peito doía. O coração
parecia haver crescido
tanto, que lutava para
escapar pela boca. Nem viu o
ônibus entrar na rodoviária,
levantou aflito e saiu quase
correndo porque precisava de
ar puro para respirar. A
aurora rompia no céu e mais
um dia começava.
”Honre seu pai para que os
dias de sua velhice sejam
tranqüilos!” – certa vez ele
tinha ouvido essa frase e
jamais havia refletido o na
profundidade
que ela continha. Em sua
egocêntrica cegueira de
adolescente, jamais havia
parado para pensar em
verdades mais profundas.
Para ele, os pais eram
descartáveis e sem valor
como as embalagens que são
atiradas ao lixo. Afinal,
naqueles dias de pouca
reflexão tudo era juventude,
saúde, beleza, musica, cor,
alegria, despreocupação,
vaidade.
Agora, porém, o tempo o
havia envelhecido, fatigado
e também o tornado pai.
De repente.
Como não havia pensado nisso
antes? Certamente por não
ter tempo, pois andava muito
ocupado com os negócios, a
luta pela sobrevivência, a
sede de passar fins de
semana longe da cidade
grande, à vontade de
mergulhar no silêncio sem
precisar dialogar com os
filhos.
Ele jamais tivera a idéia de
comprar uma cadernetinha de
capa vermelha para anotar
uma frase sobre seus
herdeiros, jamais lhe havia
passado pela cabeça escrever
que tinha orgulho daqueles
que continuam o seu nome.
Justamente ele, que se
considerava o mais completo
pai da Terra? Uma onda de
vergonha quase o prostrou
por terra numa derradeira
lição de humildade.
Quis gritar, erguer
procurando agarrar o velho
para sacudi-lo e abraçá-lo,
encontrou apenas o vazio.
Havia uma raquítica rosa
vermelha num galho no jardim
de uma casa, o sol acabava
de nascer. Então, José
acariciou as pétalas e
lembrou-se da mãozona do pai
podando, adubando e cuidando
com amor. Por que nunca
tinha percebido tudo aquilo
antes?
Uma lágrima brotou como o
orvalho, e erguendo os olhos
para o céu dourado, de
repente, sorriu e
desabafou-se numa confissão
aliviadora: - “Se Deus me
mandasse escolher, - eu juro
que não queria ter tido
outro pai que não fosse você
velho! - Obrigado por tanto
amor, e me perdoe por haver
sido tão cego”.
Devemos valorizar cada
segundo de nossa existência,
pois Jesus nos colocou nas
mãos de quem somente Ele
confia para criar Suas jóias
raras e
preciosas...Somos valiosos
para Deus...
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