ÉPOCA : ATUAL
PERSONAGENS :
Maria Ingênua - Juca Hipócrita - João Indeciso - Joana
Cristã - Ana Mundana
Cena I
Cenário: Igreja: Alguns bancos, creio eu, já
ser o suficiente para relatar o ambiente. É necessário demonstrar que é
um ambiente fechado e o mesmo tempo livre para transitar qualquer
pessoa.
(A única em cena é
Maria Ingênua, sentada num dos bancos. Traz consigo sua Bíblia, na qual
faz uma leitura silenciosa).
Narrador:
(Apresentando-a) Esta é Maria Ingênua. (Para Maria Ingênua)
Diga um “olá!”, Maria Ingênua.
Maria Ingênua:
(Para a platéia) Oi!
Narrador:
Maria Ingênua sempre foi muito ingênua. Sem nunca saber divisar bem o
certo do errado. (Pequena pausa) Como de costume, Maria Ingênua, que
esperava pelo começo do culto, refletia profundamente.
(Maria Ingênua apoia
a cabeça nas palmas das mãos).
Maria Ingênua:
(Com ar de apaixonada) (Suspira) Ai! Ai! Ai!
Narrador:
De súbito percebeu algo estranho no peito. (Maria Ingênua coloca a
mão próximo ao coração) Era solidão. Mas Maria Ingênua era tão
ingênua, mas tão ingênua, que confundiu o vazio com pontadas, e que
essas fossem sintomas de um terrível resfriado. (Maria Ingênua
coloca a mão na testa medindo a temperatura, com ar que inspira dó).
Maria Ingênua:
(Cabisbaixa e olhos semi-fechados) Estou doente! Preciso de um
médico. (Arquejando) Ai... Ai... Ai...
Narrador:
É, a solidão estava acabando com a moça. Maria Ingênua, guerreira,
sentiu vontade de ajoelhar-se e orar qualquer coisa.
Maria Ingênua:
(Ajoelhada) Meu Deus, me dá o Juca Hipócrita. Eu amo aquele cara.
(Olha para os lados para ver se não há ninguém ao redor) (Em
tom de cochicho) Ele é do mundão. Mas fazemos o seguinte: o Senhor
me dá o Juca Hipócrita e depois eu trago ele pra igreja. (Olhando
para o céu, dá uma piscada) O Senhor ainda vai sair no lucro, heim?
Narrador:
Maria Ingênua, depois de terminado as “negociações” com Deus, ficou um
bom tempo calada.
(Maria Ingênua senta-se no banco. Entra em cena Juca
Hipócrita).
Narrador:
Mas nesta história também havia Juca Hipócrita. (O rapaz balança as
sobrancelhas) Juca Hipócrita, não seja mal educado! Diga “olá!” para
nossos amigos.
Juca Hipócrita:
(Cumprimentando) Olá!
Narrador:
Juca Hipócrita é bandidão… (Juca Hipócrita passa a mão pela camisa,
fingindo estar armado) é drogado… e assaltante. (Num grito de
alerta) Olha a polícia! (Juca Hipócrita dá um salto e joga-se
atrás de algo) (Silêncio) Brincadeirinha! (Juca Hipócrita
sonda por cima de seu esconderijo) A pessoa que ele mais confia é
ele mesmo. (Juca Hipócrita lambe o dedo indicador e passa nas
sobrancelhas).
(Até neste momento Maria Ingênua ainda não havia
percebido a presença de Juca Hipócrita).
Juca Hipócrita:
Hei, seu narradô!
Narrador:
O que foi?
Juca Hipócrita:
Quero dá um refresco prá tua memória. Você esqueceu de dizê que eu levo
jeito c’as mina.
Narrador:
Deixe de ser convencido, Juca Hipócrita. (Para Maria Ingênua) (Chamando-a)
Maria Ingênua! (Não tem retorno) Maria Ingênua! (Sem retorno)
(Num grito) Maria Ingênua, bom dia!
(Maria Ingênua dá um pulo no banco).
Maria Ingênua:
(Levando um susto) Hã? (Espreguiça-se) Só tava tirando uma
soneca!
Narrador:
Maria Ingênua sempre foi apaixonada por Juca Hipócrita, coitadinha! Mas
Deus não via com bons olhos esse possível namoro. Na verdade nem os pais
da garota, nem o pastor aprovavam. Mas na hora da paixão todo mundo é
errado. E insista com os pombinhos pra ver o que acontece!
(Maria Ingênua
percebe a presença de Juca Hipócrita. Arregala os olhos. Dá a impressão
de Ter levado uma descarga elétrica.) (Juca Hipócrita,
convencido, balança as sobrancelhas).
(Maria Ingênua volta sentir pontadas. Tira um remédio do
bolso).
(Juca Hipócrita aproxima-se de Maria Ingênua e beija a
sua mão).
Juca Hipócrita:
Eu te amo, Maria Ingênua.
Maria Ingênua:
(Zonza, coloca a mão na cabeça) Eu acho que vou desmaiar!
(Maria Ingênua tenta jogar-se ao chão, mas é socorrida
por Juca Hipócrita).
Juca Hipócrita:
Não desmaie ainda, muié! Tenho uma coisa prá te dizê!
Maria Ingênua:
(Ainda apoiada nos braços de Juca Hipócrita, sonda por um olho) (Voz
fraca) O quê?
Juca Hipócrita:
Eu acho… eu acho que ti amo.
Maria Ingênua:
(Despertando) Você me ama?
Juca Hipócrita:
(Hesita) É-é e-eu amo!
Maria Ingênua:
(Levantando-se, dá-lhe as costas) Mas eu não posso ceder a este
amor. (Estufa o peito) Sou evangélica e… (com ar de menosprezo)
você é mundano. “ Que comunhão pode haver entre a luz e as trevas?” (Cruza
os braços) Não quero me colocar em jugo desigual.
Juca Hipócrita:
O que eu faço?
Maria Ingênua:
(Volta-se para Juca) É… você precisa aceitar a Jesus.
Juca Hipócrita:
(Sério) (Ajoelha-se. Olha para o céu) Jesus, eu te aceito.
(Levantando-se) (Para Maria Ingênua) Maria Ingênua, casa
comigo?
Maria Ingênua:
(Olhando para o céu) Senhor, ele te aceitou. (Alegre) Agora ele é
um dos nossos. E ele é tão bonitinho. (Para Juca Hipócrita)
Vamos!
Juca Hipócrita:
(Pegando em seu braço, com um pouco de brutalidade) Cate tuas coisa e
vamo fazê um lar.
Maria Ingênua:
Vai casar comigo?
Juca Hipócrita:
Só amigá!
(De braços dados, os
dois avançam a saída).
Maria Ingênua:
(Tentando voltar) Minha Bíblia!
Juca Hipócrita:
(Impedindo-a) Esqueça ela! Agora você tem eu!
(Os dois saem de cena).
Narrador:
Esta história só pode não ter um final feliz. Daqui a pouco voltamos a
falar deles. Enquanto isso, vamos acompanhar outra história.
Cena II
(Entra em cena João
Indeciso).
Narrador:
Este é João Indeciso. (Para João Indeciso) Acene para que a
platéia possa te identificar, João Indeciso. (João Indeciso acena)
João Indeciso é tão indeciso que nunca sabe para onde ir.
João Indeciso:
Eu sou João Indeciso porque nunca decidi ter outro nome. (Nervoso,
esfrega os cabelos) E é só pensar nisso que fico tão indeciso.
Narrador:
Mas existia também…
(Entra em cena Joana
Cristã).
Narrador:
…Joana Cristã. (Conversa com ela) Oi, Joana Cristã.
Joana Cristã:
Oi!
Narrador:
O que você está aprontando?
Joana Cristã:
(Feliz) Eu acho que estou apaixonada! (Coloca a mão no peito)
Narrador:
Por quem?
Joana Cristã:
(Apontando para João Indeciso) Por ele. (Pede silêncio)
Psi… (Em tom de cochicho) Eu orei muito. (Apontando para o
joelho) Fiz até calo.
(Enquanto isso, João Indeciso anda de uma lado para
outro. Muitas vezes ficando indeciso, sem saber que direção tomar).
Narrador:
Então é dele que você gosta?
Joana Cristã:
Fala baixo. È perigoso ele escutar. (Noutro tom) (Para o narrador)
Espere um pouco! Agora eu vou falar com ele. Veja como eu me saio.
(Joana Cristã aproxima-se de João Indeciso).
Joana Cristã:
(Toda derretida) Ooooiiii!
João Indeciso:
(Triste) Oi!
(Os dois ficam se olhando. Joana Cristã fita os olhos de
João Indeciso, este, por sua vez, fica todo envergonhado sem saber para
onde olhar).
Joana Cristã:
Você está triste?
João Indeciso:
A-cho que não! (Indeciso) Ou será que sim?
Joana Cristã:
Vamos ler a Bíblia?
João Indeciso:
Talvez!
(Os dois sentam-se. Abrem a Bíblia e conversam baixinho).
Narrador:
Mas nesta história também existia Ana Mundana…
(Entra em cena Ana Mundana).
Ana Mundana:
Oi, seu narrador!
Narrador:
Mas como é oferecida! Eu digo “oi” primeiro e você responde. (Pausa)
(Noutro tom) Agora está valendo. Oi, Ana Mundana!
Ana Mundana:
(Meio emburrada) Oi!
Narrador:
Ana Mundana é fumante.
(Ana Mundana tira um cigarro e finge tragá-lo).
Narrador:
Fuma por achar bonito. (Ana Mundana faz como se estivesse lançando
fumaça para o alto)Tudo começou quando ela era bastante criança. Ela
estufou o peito e disse:
Ana Mundana:
Me sinto uma adulta!
Narrador:
Coitado dos seus pulmões.
Ana Mundana:
(Tossindo) Cof! Cof! Cof!
Narrador:
O que mais você tem ai, Ana Mundana?
(Ana Mundana retira um pequeno pacote. Leva-o próximo ao
nariz. Finge cheirar algum tipo de droga).
Narrador:
Também é drogada?
(Ana Mundana faz
positivo)(Ana Mundana retira uma aliança que tinha no dedo. Guarda-a no
bolso. Depois faz gesto de que está de olho em João Indeciso).
Narrador:
E é adúltera também? Cadê seu marido?
(Ana Mundana balança os ombros para revelar que não sabe
e, ao mesmo tempo, não está nem aí para o paradeiro do marido).
Narrador:
Sabem o que é pior? Pelo que podemos perceber, ela também tem uma
quedinha por João Indeciso.
Ana Mundana:
(Fazendo positivo) Na mosca!
(Ana Mundana se aproxima dos outros dois).
Narrador:
O que vai aprontar, Ana Mundana?
Ana Mundana:
(Pedindo silêncio) Psiu!
Narrador:
(Insiste) Vê lá!
Ana Mundana:
(Para Joana Cristã) O que você está fazendo com meu namorado?
Joana Cristã:
Ele não falou que era teu namorado.
Ana Mundana:
(Infantil) Vamos perguntar prá ele de quem ele realmente gosta. (Para
João Indeciso) Você gosta dela, a feiosa, ou de mim, que tenho
(Rebolando) um corpinho de modelo? (Depois, como estando numa passarela,
desfila pelo palco).
Joana Cristã:
João Indeciso, tome cuidado com o jugo desigual e ainda por cima...
(quase soletrando) a-d-u-l-t-é-r-i-o.
(Os três sentam-se nos bancos e continuam a discutir.
João Indeciso continua a mostrar bastante indecisão. A conversa
prossegue, embora em tom baixo. João Indeciso olha para uma, depois para
outra, como que só respondendo: “É?”... “É?”...).
Narrador:
Agora vamos ver como estão Maria Ingênua e Juca Hipócrita.
(Entra em cena Maria Ingênua. Agora gestante, abatida ,
com olheiras e o braço enfaixado).
Narrador:
Como é que vai, Maria Ingênua?
Maria Ingênua:
(Numa falsa alegria)Vou bem!
Narrador:
Parece que a família vai aumentar? E seu marido?
Maria Ingênua:
É um doce comigo.
Narrador:
O que aconteceu com seu braço?
Maria Ingênua:
(Nervosa) V-você n-nem pense que foi o Juca Hipócrita. Aconteceu quando
eu… eu… eu caí.
Juca Hipócrita:
(De fora) (Bravo) Maria Ingênua, onde tá você, muié?
Maria Ingênua:
Já vou, queridinho.
Juca Hipócrita:
Venha logo, antes que eu te destronque o otro braço.
Maria Ingênua:
(Para o narrador) Eu sou feliz. E não me venha com esse papo de
jugo desigual.
Narrador:
M-mas Maria Ingênua...
Maria Ingênua:
(Tapando os ouvidos, não querendo ouvir) Lá-lá-lá-lá.
Juca Hipócrita:
(Num berro) Pare, muié! Você me deixa lôco com esta cantarola!
(Maria Ingênua sai de cena).
Maria Ingênua:
(De fora) Desculpa, meu doce!
Juca Hipócrita:
(De fora) (Furioso) Não me chame de “meu doce”!
Narrador:
Pobre Maria Ingênua. Vamos torcer para que João Indeciso não se
precipite como Maria Ingênua.
Joana Cristã:
João Indeciso, que Deus te ilumine na decisão que deve tomar. Se você
não se decidir por mim, nem pense... (engolindo o choro, terminando a
frase com palavras quase indecifráveis) que eu vou chorar.
João Indeciso:
(Coçando a cabeça) Eu acho…
Joana Cristã:
(Censurando-o) João!
João Indeciso:
Eu amo você, Joana Cristã. Pois só com você é que Deus pode abençoar meu
namoro. Jesus será o elo de nosso amor.
Ana Mundana:
(Furiosa) Seus crentinhos! Colocam Jesus no meio de tudo!
Joana Cristã:
Se Jesus não estivesse no meio de cada assunto de nossa vida, a vida em
si não valeria nada.
Ana Mundana:
Lá vem ela com lorota! Vou me embora! (Espana-se, como para “limpar-se”
) Isso pode ser contagioso! (Correndo como uma louca, sai de cena) Bando
de fanáticos!
Joana Cristã:
Tchau, Ana Mundana!
SONOPLASTIA:
Marcha nupcial.
(De braços dados, João e Joana saem de cena).
Narrador:
E assim viveram felizes para sempre. Pelo menos o João e a Joana.