Repensando conceitos
Passava da meia noite quando
eu parei o carro em frente à
casa noturna na região
central de São Paulo e
atravessei a rua cheia de
garotas de programa para
entrar no clube aonde nossa
banda iria se apresentar. Lá
dentro, cerca de 200
adolescentes e jovens da
classe média paulistana
enchiam o local, fumando,
bebendo, se drogando e
“ficando” no escurinho do
andar superior. Quando a
banda de abertura começou a
tocar seus primeiros
acordes, a maioria deles se
amontoou a frente do palco
para ver o show. ...
...Ostentando um nome com
referência a um personagem
bíblico, um vocalista
andrógino calçando sandálias
vermelhas de salto alto com
as unhas dos pés também
pintadas de vermelho, se
contorcendo como uma cobra e
tocando um rock anos 80, a
banda parecia seduzir a
galera. Em pé ao lado
esquerdo do palco próximo de
meu velho amigo Fábio de
Carvalho, da Comunidade ARCA
de Belo Horizonte, eu fiquei
tentando imaginar o que eles
achariam do nosso show:
iriam vaiar? Dar às costas?
Jogar latas de cerveja e
praguejar? Afinal de contas
esta seria a primeira vez
que um grupo cristão iria se
apresentar naquele palco e
para uma galera perdida como
aquela. Mas em vez de vaiar
e praguejar, a galera
entendeu a mensagem e muitos
receberam oração, choraram e
abriram seus corações como
se aquele local tivesse se
transformado num templo
naquela noite. Tamanho é o
poder que o uso das artes na
evangelização pode ter. Mas
antes de sair correndo para
montar sua banda ou grupo de
teatro evangelístico é
preciso re-pensar alguns
conceitos básicos.
Ir
em vez de esperar que eles
venham a nós
O primeiro conceito que
precisamos rever e o
conceito de evangelização e
missão. Isso porque
freqüentemente quando se
fala de evangelizar através
da música, teatro e artes, a
Igreja, na melhor das
hipóteses, está disposta a
tolerar essas formas com o
objetivo de atrair pessoas
para suas programações. Mas
raramente tenho visto
pastores e líderes
encorajando seus membros a
formar um grupo de
evangelismo com artes que
irá mergulhar nos locais
cheios de trevas (e muita
fumaça de cigarro) para se
apresentar e comunicar a
mensagem cristã. Somos
condicionados a pensar em
tais locais como perigosos
para nossas almas. Uma vez
que fomos chamados das
trevas para a luz, logo
aprendemos a ficar bem longe
de qualquer local onde as
trevas prevalecem. Não que
não desejamos ver pessoas
sendo libertas e salvas.
Queremos isso e muito! Então
planejamos nossas
programações no templo e
convidamos os perdidos para
virem. Mas espere um pouco.
O que foi que Jesus disse
mesmo? Quando ele reuniu os
seus seguidores para lhes
enviar em missão aos
perdidos, ele disse-lhes:
“Vão! Eu os estou enviando
como cordeiros entre lobos.”
(Lucas 10.3) Jesus não
reuniu os discípulos e pediu
para eles elaborem um
programa e convidarem
pessoas para assistir. Ele
preparou os discípulos e os
enviou aos locais onde os
perdidos estavam. Tais
locais seriam tão perigosos
como se os discípulos fossem
cordeiros entrando no meio
de uma matilha de lobos.
Missão sempre envolve ir ao
encontro do perdido ao invés
de esperar que ele venha a
nós. Evangelizar através das
artes envolve não somente
preparar uma boa
apresentação de teatro, mas
correr o risco de levar essa
apresentação a um palco
pagão. Mas nunca vamos
sozinhos. Jesus disse: “Eu
lhes dei autoridade para
pisarem sobre cobras e
escorpiões... nada lhes fará
dano.” (Lucas 10.19) Quando
vamos a esses lugares de
trevas, levamos Jesus
conosco para que o povo que
vive na região da sombra da
morte veja a Luz.
Autenticidade no lugar de
utilitarismo
Uma outra coisa que
precisamos repensar sobre
evangelização e artes é o
próprio valor das artes em
nossas vidas. Eu não penso
que as artes devam ser
vistas pelo cristão de
maneira utilitarista apenas.
O que quero dizer com isso é
que não deveríamos tentar
justificar o uso de danças,
música, dramatizações ou
quaisquer outras formas de
expressão artística na
igreja ou pela mesma, como
sendo apenas veículos para
se alcançar mais pessoas.
Fazer isso é seguir a via da
mediocridade nas artes. Não
precisamos justificar as
artes. Servimos a um Deus
que é o Grande Artista. Sua
criação emana criatividade e
nos convida a ser criativos
nós mesmos. A arte na
Bíblia, como apontou Francis
Schaeffer em seu ensaio Art
& The Bible (Arte & a
Bíblia), existe simplesmente
porque Deus é um Deus
interessado em beleza. O
Templo construído por
Salomão segundo as plantas
de tudo aquilo que o
Espírito havia colocado no
coração de seu pai Davi (1
Crônicas 28.11-12), era
cheio de detalhes artísticos
sem nenhuma utilidade
prática, apenas como
expressão de beleza. Mas o
que isso tem a ver com
evangelização e artes? É
simples. Quando nossa visão
das artes é apenas como um
meio para se chegar a um
fim, corremos o sério risco
de perder a autenticidade
daquilo que fazemos. E
quando se trata de artes,
não existe pecado maior do
que falta de autenticidade.
Arte superficial, comercial,
quase falsa é um pobre
testemunho para o Deus que
servimos. Sendo assim,
deveríamos incentivar
expressões artísticas e o
desenvolvimento da
criatividade como forma de
honrar e elevar o caráter do
Deus que servimos. Ao
fazermos isso com excelência
e dedicação, “muitos verão
isso e temerão, e confiarão
no Senhor.” (Salmo 40.3)
Amor pela pessoa toda em vez
de apenas ganhar almas
Finalmente precisamos
repensar a questão da
motivação. Evangelismo e
missão se faz com amor.
Parafraseando Paulo, eu
poderia cantar e tocar as
mais belas canções, atuar de
maneira exemplar num roteiro
cativante e dançar como se
meus pés flutuassem no ar,
mas se eu não tiver amor,
nada disso teria proveito
algum. É o amor – não a
música, dança, poesia ou
drama – que quebranta os
corações e convence as
pessoas da realidade de
Deus. Jesus não disse que
seus discípulos seriam
conhecidos através das
artes, mas do amor.
Evangelismo se faz amando as
pessoas, se interessando por
elas de maneira autêntica,
oferecendo-lhes mais do
alguns minutos interesseiros
de nosso tempo, mas nossas
próprias vidas. Se
evangelizarmos somente
impulsionados por um senso
de culpa ou para aumentar o
tamanho de nossas células ou
a quantidade de membros de
nossa igreja, nossa
motivação está errada. O
amor de Cristo é que nos
constrange a ir à busca dos
perdidos onde eles estão, a
servir-lhes em suas
necessidades básicas, a se
interessar não apenas por
suas almas, mas por quem
eles são como pessoas. O
amor nos livra de
transformar pecadores em
números e estatísticas
missionárias. O amor rompe
barreiras, lança fora o medo
e conquista corações. O amor
não acaba depois que a
pessoa ergue o braço e faz a
oração para aceitar Jesus.
Por amor a Cristo e aqueles
a quem ele ama, nós corremos
riscos se ser vaiados,
criticados e talvez
apedrejados com “latas de
cerveja”.
Em seu livro Evangelização
no Mercado Pós-moderno,
Robson Ramos diz: “Como
seguidores de Jesus Cristo
nesta geração, temos duas
opções: Ou ficamos na
mesmice, vivendo como
consumidores acríticos e
passivos do que nos é
oferecido para que estejamos
sintonizados com o que
existe de mais novo em
cultos e eventos para o
nosso deleite pessoal –
ambientes devidamente
protegidos. Ou então
rompemos com tudo isso e
entramos pelas ruelas
escuras, levando a luz do
evangelho e fazendo
discípulos de Jesus Cristo.”
Eu imagino uma igreja onde
haja espaço para
criatividade, onde cada
cristão desenvolva seu
potencial criativo e onde
expressões artísticas fluam
naturalmente e livremente.
Eu imagino uma igreja que
não tenha medo de sair das
quatro paredes do templo,
mas que esteja disposta a
andar com Jesus pelos cantos
escuros do mundo. Como disse
um famoso cantor: “Você pode
dizer que sou um sonhador,
mas não sou o único. Espero
que você também se junte a
nós.”
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