A fidelidade total, a
confiança, os ensinos, a
vida de Jesus e o testemunho
de terceiros sobre ele nos
revelam que Jesus é um
homem de oração: Jesus
orou realmente! (Jo 17; Hb
10:5-7; Mc 1:35; Mt 14:23;
Mt 26:36ss; Jo 11:41-42; Lc
23:24).
a)
Jesus: Deus que se fez carne
e habitou entre nós.
Em Fl 2:6-7 está escrito que
Jesus não julgou com
usurpação o ser igual a
Deus, antes esvaziou-se (kênosis)
a si mesmo, assumindo a
condição de Servo e
tornando-se semelhante a nós
em tudo, exceto no pecado.
Diante disso podemos dizer
que Jesus embora tivesse
condição de Deus (e Ele era
Deus!), Ele se apresentou
entre os seres humanos como
homem. E mais, abriu mão de
qualquer privilégio,
tornando-se apenas homem que
obedece a Deus e que
serve aos demais homens e
mulheres.
b)
Jesus em sua oração vê Deus!
A liberdade de Jesus
frente aos costumes de sua
época, ao templo e à lei
véterotestamentária (segundo
a interpretação dos
fariseus) bem como sua
autoridade vêm de Deus.
João 5:27 E lhe deu
autoridade para julgar,
porque é o Filho do Homem.
Mateus 28:18 Jesus,
aproximando-se, falou-lhes,
dizendo: Toda a autoridade
me foi dada no céu e na
terra ou “É-me dado todo o
poder no céu e na terra”.
João 5:36 Mas eu
tenho maior testemunho do
que o de João; porque as
obras que o Pai me confiou
para que eu as realizasse,
essas que eu faço
testemunham a meu respeito
de que o Pai me enviou.
João 14:31 contudo,
assim procedo para que o
mundo saiba que eu amo o Pai
e que faço como o Pai me
ordenou.
Na oração Jesus faz mais
que comunicar-se com o Pai.
Jesus na oração entrega-se a
Deus, experimenta Deus. Vê
Deus!
Deus pode ser experimentado
e conhecido com os "olhos da
fé". Essa visão ("ver
Deus", conforme Mt 5:8)
na terra é a experiência
de Deus através da fé.
Experimentar a Deus é
saber-nos vivencialmente em
Suas mãos. É saber-se em
sintonia e intimidade com o
Deus Vivo, que se entrega a
nós e que realmente se
comunica com o ser humano e
ao qual o ser humano também
pode se entregar por amor e
conhecer por sua fé.
c)
Jesus não separa a oração da
santificação e do serviço de
amor ao próximo:
Para ver Deus é
necessária a condição de ter
o coração limpo. E para
que o coração esteja limpo é
preciso que estejam limpos
(purificados) olhos, mente,
mãos, etc. Mãos limpas, por
exemplo, deve lembrar-nos da
prática da justiça. A oração
deve operar em nós como
poder de Deus. Presença de
Deus! Que vai varrendo o
jeito antigo próprio somente
de quem não "nasceu de
novo". Tirando do nosso
coração o apego aos velhos e
novos ídolos e a todo tipo
de altar em nós que não seja
altar de adoração ao nome de
Deus. E ninguém ama a Deus
se não ama a seu irmão e
irmã. Por isso, o melhor
louvor, a melhor adoração
que podemos prestar a Deus é
fazer sua vontade. Por
isso cantamos que "a melhor
oração é amar." Aí está a
santificação, a perfeição
cristã!
d)
Jesus não separa a oração da
profecia, da evangelização:
Na simbologia bíblica, o
profeta é alternadamente
enviado à "cidade" como
profeta e evangelizador e
conduzido ao "deserto" para
aprofundar sua experiência
de Deus.
Moisés, Elias, João Batista
e também Jesus, são alguns
exemplos: prepararam-se para
sua missão no "deserto" e ao
deserto regressavam em
certos momentos para renovar
a experiência de Deus. O
"deserto" tem significado de
lugar de solidão e pobreza,
onde o coração se purifica.
Aparentemente Deus é mais
fácil de ser encontrado no
deserto. E ainda mais,
"deserto" significa também a
esterilidade e a dureza do
coração humano, e a dureza
da "cidade" (e sua política)
à qual o profeta é enviado e
por ela perseguido e, não
raras vezes, morto.
Deserto, portanto, além de
experiência com Deus, é
lugar de treinamento e
capacitação: dependência de
Deus.
Todo cristão é um homem ou
mulher de oração. Todo
cristão é um evangelizador.
Assim, todo evangelizador
está chamado a realizar a
síntese de unir a coragem do
compromisso de um profeta e
a experiência de Deus de
alguém que ora e vigia.
e)
O conteúdo da oração de
Jesus e a oração que Jesus
critica duramente:
Para Jesus não é qualquer
oração que leva ao encontro
do Reino, à experiência de
Deus. Jesus critica
duramente formas deturpadas
de oração: a oração como
autocontemplação (Lc 18:11);
a oração exibicionista, sem
humildade (Mt 6:5-6); a
falação mecânica e
superficial sem o
compromisso pessoal (Mt 6:7ss);
a oração separada da ação (Mt
7:21); a oração
comercializada e opressora,
carente de gratuidade/graça
(Mt 23:14), são alguns
exemplos.
Por outro lado, podemos
perceber que o conteúdo
básico da oração de Jesus é:
a vinculação com a vida
concreta e quotidiana e não
com as filosofias, modas,
culturas e religiosidades (Mt
11:25) e,
a busca pela supremacia da
vontade de Deus e a prática
da solidariedade
(Mc14:35ss).
f)
O Deus que Jesus experimenta
na oração:
A fé (oração) de Jesus supõe
uma determinada visão
(experiência) de Deus. Não é
um Deus qualquer que Jesus
experimenta. Não é um Deus
irado, distante,
indiferente, castigador.
Jesus experimenta o Deus
ágape, Deus de justiça
(santidade), solidário,
compassivo, misericordioso.
O Deus que nos amou sendo
nós ainda pecadores. O Deus
que ama as pessoas mesmo
antes delas o conhecerem e o
acolherem em suas vidas como
Salvador e Senhor. E Jesus
nos revela isso: "quem vê a
mim, vê ao Pai que me
enviou" e "eu e o Pai somos
um". O Deus que Jesus
experimenta, conhece e nos
revela é o Deus que permite
que rejeitemos seu amor e
salvação. Sim, podemos
rejeitar o seu amor, mas não
podemos impedir o seu amor
por nós. A história da
salvação é a história de um
Deus que por amor busca
salvar os perdidos, os
"filhos pródigos"...
Para Jesus, o fundamento
último da experiência de
Deus e o que fica para a
nossa prática é o amor. Não
o poder. O poder de Deus
consiste no seu amor que
tudo pode.
g)
Orar, portanto, é "ouvir a
Deus" e servi-lo:
A nossa oração não é para
quebrantar, comover e
amolecer o coração de Deus.
Deus por natureza (por si
mesmo) tem o coração
misericordioso! Oramos,
portanto, para sintonizar,
entrar na intimidade,
direcionando tudo que somos,
sentimos e pensamos para
Deus. Orar antes de
tudo é colocar-se diante de
Deus, é "ouvir a Deus" (Pv
16:1). Entrar em clima de
comunhão: entrega total de
si ao Pai; de total abandono
nas mãos e vontade de Deus.
Orar é pensar em sintonia
com Deus. Sermos de Deus.
Sermos em Deus. Deixar
Deus também ser em nós.
Experiência, aperitivo do
que será na plenitude do
Reino: Deus será tudo em
todos. Por isso, quem ora
"despe-se", "abre mão de
certezas previamente
concebidas". Ouve,
submete-se, santifica-se.
É uma experiência tão íntima
que Jesus ordena: "vá para o
seu quarto, para o seu
"deserto", feche as portas,
fique longe das praças e do
público.
A voz de Deus nos acolhe nos
seus braços e nos envia como
testemunhas das Boas Novas.
A Bíblia diz que somos
imagem e semelhança de Deus.
A imagem e semelhança de
Deus devemos cuidar da sua
Criação em seu nome e
autoridade. Mas também
devemos interceder por ela,
colocando-a sempre diante de
Deus e sendo canais das
bênçãos celestes para toda a
Criação. Somos, assim,
canais da manifestação do
amor e da bênção de Deus.
A oração nos coloca como
mordomos (zeladores) e
intercessores da Criação a
tal ponto que, lendo Mt 5:4,
podemos entender que além de
chorar pelos nossos pecados
(arrependimento), devemos
também chorar com os que
choram e sofrem
(solidariedade), chorar
pelos que não choram (clamor
e juízo) e chorar pela vinda
do Reino de Deus em sua
plenitude.
h)
Oração e Evangelização:
Concluindo, podemos dizer
que evangelizar é gerar
vida (cf. Jo 10:10b).
Vida abundante,
qualitativamente boa,
quantitativamente longa e
relacionalmente solidária.
Vida que é pão e terra e
casa, salvação, libertação,
cura, justiça, harmonia,
fraternidade, paz. A Igreja
evangeliza, por exemplo,
quando promove a paz. E não
apenas quando é pacífica.
Temos de ser pacificadores
(cf. Mt 5:9). Pois sabemos
que promover a paz é
favorecer a aproximação e a
reconciliação e, portanto, a
fraternidade cristã e a
comunhão das pessoas,
famílias e povos.
Mas é impossível haver paz e
reconciliação onde a justiça
não existe (cf. Mt 5:6). Por
isto, restabelecer a justiça
é uma condição para a
reconciliação e para a paz.
Também será sempre
necessário superar as
desavenças e o passado ruim.
Assim, o perdão mútuo das
ofensas e dívidas é
igualmente fundamental para
o restabelecimento da
justiça, o amadurecimento da
reconciliação e a
consolidação da paz. Só
assim é possível recriar
toda a convivência humana e
recuperar o mínimo da
qualidade de vida e da vida
com o mínimo de dignidade.
E a oração sintoniza,
identifica, aproxima e
compromete a Igreja de Jesus
Cristo para trabalhar para
que o mundo e a vida se
assemelhem e se transformem
(sob a direção e no poder do
Espírito Santo) no Mundo
Novo (o Reino de Deus) que
Deus está fazendo nascer a
partir e de dentro do velho
mundo e da velha vida.
E o evangelizador
experimenta na sua vida a
tensão do anseio ardente
pelo Reino e pra que a
vontade de Deus se cumpram,
da consciência dos próprios
limites e impotência e da
confiante esperança na graça
e poder do Deus vivo. É o
"deserto" do evangelizador
que o mergulha na
experiência fundamental e na
necessidade crucial da
oração.
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