O tema da solidão é comum e
não há resposta fácil para
ele. Penso ser seguro dizer
que no geral a maioria dos
solteiros irá experimentar
mais solidão do que os
casados. Em minha opinião,
os solteiros devem tomar a
decisão de aceitar esta
realidade e depois buscar
meios de combatê-la. Nenhuma
solução vai aparecer
sozinha; devemos encontrar
ou fazer nossas próprias
respostas para esta questão.
Lembro-me de ter visitado um
amigo certa noite, quando
ouvimos bater na porta. Meu
amigo apresentou o
recém-chegado como Diretor
da Faculdade onde ele
lecionava, a qual fazia
parte de uma grande
universidade. O visitante
desculpou-se por aparecer
sem convite.
“Minha mulher faz um estudo
em grupo nesta noite”,
explicou ele, “e minhas duas
filhas tiveram de sair. Isso
me deixou sozinho em casa.
Você sabe como o homem é uma
criatura indefesa quando
fica numa situação dessas!”
disse ele, voltando-se para
o colega com um pequeno
gesto desamparado. A seguir,
com um riso
meio-envergonhado, ele
concluiu: “Eu sabia que você
ia me receber”.
As palavras soaram estranhas
aos meus ouvidos. Um homem
santo e culto, um líder
entre os cristãos, incapaz
de enfrentar a perspectiva
de uma noite sozinho em seu
próprio lar! Eu já vivia
sozinha então por bem mais
de 25 anos e não esperava
jamais mudar minha situação.
Todavia, não considerava
isso um fardo, pois tinha a
companhia de Jesus Cristo.
O mesmo acontecia
naturalmente com ele, é
claro, assim como com o
casal em cuja residência nos
encontramos. Meu compromisso
cristão não era maior do que
o deles. Mas minha
necessidade era, sendo esse
o ponto crucial da questão.
Eu conhecia a companhia de
Cristo na intimidade de
minha vida doméstica porque
não tinha outro companheiro
ali.
Foi este o significado das
palavras de Samuel
Rutherford quando escreveu:
“Nossas necessidades nos
qualificam melhor para
Cristo.” Minha solidão me
levara a buscar e cultivar a
companhia de Cristo. Meus
amigos casados não tinham
essa necessidade consumidora
exceto de maneira geral. Sem
sequer pensar no assunto,
eles dependiam um do outro
para companhia. Quando isso
faltava, sentiam-se
perdidos. Como eu jamais
conhecera tal tipo de
companheirismo, voltava-me
constantemente para Deus a
fim de encontrar uma
comunhão que me capacitasse
a sentir-me feliz sozinha em
toda parte.
Nunca deixei de me
surpreender ao ver que as
mulheres casadas nos chalés
de verão à minha volta,
embora declarassem em voz
alta que gostariam de ficar
ali durante a semana como
eu, invariavelmente voltavam
para a cidade com os maridos
na noite de domingo. Pode
ter havido boas razões para
isso e provavelmente há. Mas
as esposas, que conheço há
anos, me contaram que a
verdadeira razão é não
conseguirem ficar sozinhas.
Algumas admitem ter medo,
outras não; mas, conforme
elas mesmas afirmam, todas
sentem-se incapazes de
enfrentar a sua solidão. Eu
já fiquei alegremente
sozinha em meus verões,
quando não fica ninguém por
perto e eu passo muito bem.
Não existe um lugar em que
sinta menos solidão do que
no chalé. Tenho muito maior
probabilidade de sentir
crises de solidão quando me
encontro em Toronto, cidade
densamente povoada.
Nunca consegui saber com
certeza a razão disso,
exceto uma suspeita de que o
sol do verão, as águas
mornas e a liberdade de
gozar do meu amor pela
natureza em todas as coisas
tímidas e selvagens ao meu
redor tenham algo a ver com
isso. A cidade é grande,
impessoal, ruidosa e
exaustiva, embora ofereça
amizades excelentes e coisas
fascinantes para fazer.
A companhia de Jesus Cristo
através do Espírito Santo
não é um mito. Ele é a
primeira pessoa a quem falo
de manhã e a última a noite.
Muitos dias Ele é o único
com quem converso o dia
todo. Tento não ter muitos
dias de isolamento desse
tipo, mas algumas vezes eles
se tornam inevitáveis. As
horas, porém, são, no geral,
muito felizes.
Não conversamos apenas de
assuntos espirituais. Ele e
eu, apesar de isso ser
naturalmente parte do
companheirismo de cada dia.
Mantemos uma conversa
contínua o dia inteiro, não
importa o que eu esteja
fazendo. Estou
constantemente precisando da
ajuda d'Ele com este
problema, aquele
empreendimento, esta atitude
e aquela tentação. E sempre
tenho acesso a ela. Ele me
auxilia nas promessas coisas
práticas como lembrar-me de
que não desliguei o ferro,
que devo sair às compras ou
fazer um telefonema, ou
sacudir minha memória quando
me esqueço onde coloquei
algo – como os meus óculos!
Nós gozamos juntos as coisas
belas com que Ele encheu
minha vida – música erudita,
cores e tecidos suaves, a
sensação macia de um corpo
peludo, o lampejo da asa de
um pássaro brilhando como
uma jóia, os tons rosa e
âmbar do céu ao escurecer, a
fragrância das flores
orvalhadas, o calor amigo de
uma lareira numa noite fria.
Juntos partilhamos bons
livros, concertos, peças ou
balés, e coisas engraçadas.
Juntos inventamos e
escrevemos juntos um artigo
ou um livro. Meu coração
está constantemente se
voltando para Ele em
gratidão e louvor durante o
dia e muitas vezes até altas
horas à noite. Em troca, Ele
o enche de Si mesmo.
Uma situação dessas não
aconteceu de repente. Tive
meus períodos de solidão e
angústia, muitos deles; e
ocasionalmente ainda os
tenho. Mas na medida em que
me entrego a Deus numa
participação alegre e grata
de minha vida, Ele se
entrega também a mim.
Para os solteiros de Deus, o
solteirismo é um dom divino.
Embora o casamento seja
chamado de “digno de honra”
pelo escritor aos Hebreus (Hb.13:4)
e Paulo declare que os que
se casam não “pecam” (I Cor.
7:28), tanto Jesus como
Paulo falam do estado de
solteiro como sendo um dom
(Mat. 19:22; I Cor. 7:7).
Paulo também declara que ele
é bom (I Cor. 7:8, 26, 28).
E Tiago ensina que todos os
dons de Deus são bons e até
perfeitos (Tiago 1:17).
Nessa natureza humana não vê
facilmente a condição de
solteiro sob esse aspecto,
mas a Palavra de Deus ensina
assim.
Os dons de Deus talvez nem
sempre sigam as nossas
inclinações naturais, mas
eles existem e satisfarão as
nossas necessidades. Talvez
os encontremos em lugares
improváveis – uma doença,
quem sabe, nos force a ficar
sozinhos o bastante para
aprendermos a enfrentar a
solidão e depois disso nos
sentiremos grato por
podermos mover-nos e pelo
privilégio de estarmos com
outros.
Uma ida casual a um centro
de estudos pode revelar um
talento latente para a
música ou escrita, pintura
ou fotografia, e podemos
passar horas longas e
solitárias em seu
desenvolvimento, descobrindo
finalmente ter descoberto um
amigo cuja companhia irá
consolar-nos em nossa
solidão pelo resto de nossas
vidas. É possível que
tenhamos de sair em busca de
nossos dons de suporte, mas
descobriremos que possuímos
aqueles de que necessitamos.
Deus não deixa os Seus
solteiros para lutarem
sozinhos com o solteirismo!
Não conheço todas as
respostas para a solidão
humana. Mas conheço a
principal: aceitação sincera
da vontade total de Deus e a
prática deliberada diária,
hora a hora e até momentânea
de sua presença. Aprendemos
isso fazendo, não há outro
meio.
Os solteiros precisam
desenvolver os seus próprios
métodos de vida. O que
funciona para um não dá
necessariamente resultado
para todos. Nenhuma solução
que você ou eu inventemos,
nem todas elas juntas,
poderão livrar-nos da
solidão a não ser que
tenhamos aprendido primeiro
a apoiar-nos na companhia de
Cristo. Essa é a resposta
básica à questão de como
viver sozinhos com
serenidade e paz. |