“Puxa vida, poderíamos pelo
menos ficar amigos!” Esta
expressão ao telefone me fez
parar e pensar. Nós, amigos?
Creio que depois de uma
separação, uma das muitas
coisas que acabam sendo
renegadas é a relação
“pós-casamento”. E um dos
desejos freqüentes é o de
manter “ao menos” a amizade.
Dona Zizi, com sua sabedoria
de mãe, me diria que desejar
isso é “querer todos os
proveitos num saco só!” De
fato, exprime vários
desejos!”.
Primeiro, o desejo de não
perder, de não sentir a
perda profunda que é a
separação; a vontade de
amenizar a ameaça da “perda
total”. É como se a pessoa
raciocinasse assim: “Se
ficamos amigos, salvamos
pelo menos alguma coisa
boa”. E com esta ilusão a
pessoa se consola.
Em segundo lugar, o desejo,
muitas vezes, é real e
sincero e faz parte da
ambivalência que se vive ao
se “desengajar”. Esta
ambivalência é normal. Faz
parte do processo de perder
a intimidade do cotidiano. O
casamento é uma intimidade
partilhada a dois. A
separação rompe este rumo e
dá início ao processo
inverso: o de tomar os
cônjuges “estranhos” um para
o outro.
Pensar na possibilidade de
ex-esposos continuarem
amigos traz à tona a
pergunta: o que significa
ser amigo? Embora na amizade
se partilhe um tipo de
intimidade diferente, a
confiança, a aceitação e o
respeito são indispensáveis.
Nossos amigos frequentam
nossa casa (você quer mesmo
que ele/ela venha visitá-lo
(a)?) Aos amigos
compartilhamos nossos
segredos, nossos desejos e
intenções, a nossa luta.
Deles esperamos lealdade,
fidelidade e aliança. Está
ficando mais claro aonde
estou querendo chegar?
Com o ex-cônjuge, em geral,
estas coisas não existem. Na
época da separação é
provável achar que a relação
se pareça mais com um campo
de guerra armada do que um
espaço propício a bate-papos
amistosos. Como bons
“amigos”, jogam em times
opostos, mesmo porque os
interesses de cada um são
diversos: dinheiros, futuro,
etc.
Também existe o fato de que
muitas das dificuldades que
levaram à separação
continuam existindo depois.
Por exemplo, se o casal não
conseguia se comunicar
claramente e cada um
desconfiava do que o outro
dizia, por que pensar que a
simples separação mudou ou
resolveu esta realidade?
Afinal, se os dois
conseguissem ser bons
amigos, provavelmente
estariam casados até hoje!
Entretanto, há exceções (e
“pseudo-exceções). Nas
“pseudo-exceções”, um deles
(ou os dois) faz tudo para
ser amável e atencioso; para
provar ao outro que ele (a)
é legal. O preço disso é
alto, pois é uma tentativa
perdida e frustrada desde o
início. Se ele (a) realmente
pensasse que sou uma pessoa
legal, ele (a) estaria
comigo até hoje. Creio que é
até motivo de libertação
pessoal conseguir aceitar a
idéia de que o outro não me
aprova, não gosta mais de
mim e, provavelmente, nunca
me aprovará. Fico livre de
tentar me justificar ou me
defender, de me explicar
para ele (a). Posso deixá-lo
(a) pensar “mal” de mim.
Daí, o que vier de bom é
lucro.
Conheço situações onde os
ex-cônjuges têm um “bom”
relacionamento mas, em
geral, só depois de
separados há muitos anos e
ambos com lares refeitos.
Também tenho visto situações
onde o ex-cônjuge casou-se e
há um bom relacionamento com
a nova família.
Entende-se que “bom”
significa poder combinar os
assuntos necessários de
forma educada. (Às vezes, dá
até para falar abobrinha
sobre as crianças.) Mas isto
também é resultado de
aprendizado e leva tempo.
Creio que quando um
casamento acaba, o que
realmente pode (e deve)
ficar é o respeito. E
respeito se impõe. Sou da
firme opinião que caso se
possa resgatar (ou manter) o
respeito, o ex-casal deve se
dar por muito satisfeito. É
uma conquista. Para tanto,
deve-se dar o exemplo e não
permitir que conversas sobre
determinados assuntos caiam
no desrespeito. É melhor
encerrar a conversa do que
proceder em desacordo com as
regras da boa educação. Isto
significa, às vezes, um
intenso trabalho e estar
atento (a) para não “se
enganchar”. Mas vale a pena
o investimento. |