Depois de seis anos de
tramitação no Congresso
Nacional, o Estatuto do
Idoso foi aprovado em
setembro de 2003 e
sancionado pelo Presidente
da República no mês
seguinte. O Estatuto, entre
outras coisas, tipifica
crimes contra o idoso,
proíbe a discriminação nos
planos de saúde pela
cobrança de valores
diferenciados em razão da
idade, determina o
fornecimento de medicamentos
pelo poder público e garante
descontos de 50% em
atividades culturais e de
lazer para os maiores de 60
anos e gratuidade nos
transportes públicos para os
maiores de 65 anos.
Trata-se de um conjunto de
leis que estabelece os
procedimentos legais que
devem acontecer para
melhoria da situação da
população idosa do Brasil.
A questão do envelhecimento
se tornou crucial para esta
época em que vivemos. Com o
aumento do nosso tempo de
vida, o contingente de
pessoas idosas habitantes da
Terra é expressivamente
numeroso e continua
crescendo. Assim, muda o
perfil da população no
terceiro milênio da História
e, com isso, mudam todas as
faces da vida humana:
cultural, social, política,
econômica, ambiental,
familiar, individual etc ...
etc ...
Parece que é chegada a hora
de nos confrontarmos com o
envelhecimento, procedendo a
uma profunda reflexão sobre
o modo como a Humanidade vem
tratando os idosos.
A última etapa, a idade da
velhice, começa após a
aposentadoria, dos 60 anos
em diante, depois que os
filhos já se foram. Alguns
idosos dizem que esta etapa
só começa quando a pessoa se
sente velha, um resultado da
cultura que valoriza a
juventude, o que leva idosos
a não aceitarem a sua idade.
Erikson Erikson, em seu
livro “O Ciclo de Vida
Completo” (1998), estabelece
que é bom chegar à velhice,
se não ficaram problemas não
resolvidos em etapas
anteriores.
Esta etapa parece ser a mais
difícil de todas, porque ela
vem quando ocorre um
distanciamento social, um
sentimento de inutilidade,
marca da nossa sociedade.
Alguns se aposentam de
trabalhos que tiveram
durante toda a sua vida;
outros percebem que sua
tarefa como pais chegou ao
fim e a maioria crê que suas
contribuições não são mais
necessárias.
Não é rigorosamente verdade
que “antigamente” os velhos
eram respeitados e
valorizados, sendo execrados
hoje. Por exemplo, há
estudos demonstrando que os
seres humanos sempre tiveram
dificuldades para cuidar bem
uns dos outros, quando a
sobrevivência impunha
exigências que acabavam por
radicalizar uma seleção,
onde os mais aptos eram
favorecidos em detrimento
dos doentes e dos velhos.
Agora, nestes tempos de
conforto, propaganda e super
informações, há um grupo
muito numeroso de pessoas
mais velhas entre nós,
carecendo de atenção e
cuidados, sim, mas também
disponíveis para as outras
gerações, atendendo e
cuidando.
Hoje, a tecnologia biomédica
e a higiene da urbanização,
entre outros fatores, nos
oferecem meios para viver
mais. Aqueles que ainda não
envelheceram têm boa
probabilidade de se tornarem
longevos. Cabe, então, a
todos nós, a
responsabilidade de, num
esforço conjunto, trabalhar
no sentido de fazer com que
aconteçam as condições
favoráveis para o
envelhecimento saudável, de
todos nós, dos já velhos e
dos que se tornarão velhos
um dia.
Para que isto se torne
realidade, é fundamental
contarmos com a participação
das pessoas idosas. Com a
sua competência prática na
arte de enxergar e entender
as “coisas da vida”, são
pessoas que não se deixam
enganar facilmente, porque a
sua própria existência lhes
seqüestrou a inocência, na
concretude da experiência
vivida. Em contraponto, essa
mesma existência vai lhes
proporcionando um
conhecimento da vida que,
sem desvelar os mistérios,
assegura para elas, o lugar
dos sonhos incessantemente
possíveis.
Contudo, vale dar atenção ao
alerta de Anita Neri sobre o
envelhecimento no mundo
contemporâneo, que nos põe a
pensar para agirmos em ações
efetivas e conseqüentes:
“Essas questões não podem
ser vistas como de
responsabilidade individual.
Antes, demandam políticas
sociais que devem impactar
os sistemas de saúde e
educação, o planejamento dos
ambientes de trabalho e dos
espaços urbanos, o sistema
de seguridade social e
também o próprio modelo de
formação e atuação dos
profissionais que cuidem de
tais assuntos.”
A
família atendendo o idoso
A família deve ser o ponto
de apoio do idoso em todos
os momentos e
circunstâncias.
A família é apontada por
estudiosos do envelhecimento
como o elemento mais
freqüentemente mencionado
por idosos como importante
ao próprio bem-estar pelos
idosos. Esta sofreu mudanças
importantes decorrentes da
maior participação da mulher
no mercado de trabalho, da
redução do tamanho da
família, do surgimento de
novos papéis de gênero e da
maior longevidade.
Assim diz o art. 3º do
título 1 do Estatuto: “É
obrigação da família, da
comunidade, da sociedade e
do Poder Público assegurar
ao idoso, com absoluta
prioridade, a efetivação do
direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à
cultura, ao esporte, ao
lazer, ao trabalho, à
cidadania, à liberdade, à
dignidade, ao respeito e à
convivência familiar e
comunitária”.
Há uma especificação no
parágrafo único, ponto V:
“priorização do atendimento
ao idoso por sua própria
família, em detrimento do
atendimento asilar, exceto
dos que não a possuam ou
careçam de condições de
manutenção da própria
sobrevivência".
No art. 4º , determina-se
que “Nenhum idoso será
objeto de qualquer tipo de
negligência, discriminação,
violência ou opressão, e
todo atentado aos seus
direitos, por ação ou
omissão, será punido na
forma da lei.”.
No convívio familiar há o
respeito, o carinho e as
melhores condições de vida
que cada indivíduo idoso
necessita. O Estado assumirá
a responsabilidade quando
não houver condições de
manter a pessoa de idade
avançada no convívio com a
família.
O Estatuto prevê o respeito
à inserção do idoso no
mercado de trabalho e à
profissionalização, tendo em
vista suas condições
físicas, intelectuais e
psíquicas. Nosso mercado
está voltado para os jovens;
tornam-se, portanto,
imprescindíveis mudanças que
estimulem a participação do
idoso no processo de
produção. Eles podem e devem
contribuir com a sua
experiência para o
crescimento do país.
Estão asseguradas
oportunidades de acesso à
cultura, esporte e lazer com
propostas e programas
voltados para esta idade,
além da facilidade do
encontro de cursos especiais
que são fundamentais para
preservar a saúde física e
mental do idoso.
O Brasil gasta
aproximadamente 22% de tudo
o que investe em saúde no
tratamento hospitalar da
população idosa. O Estatuto
contempla esta questão no
Capítulo IV, onde está
assegurada a atenção
integral, bem como políticas
de prevenção, promoção,
proteção e recuperação da
saúde do idoso.
O capítulo reservado à
Previdência Social prevê os
direitos constitucionais que
estão sendo desrespeitados,
como a vinculação das
aposentadorias e pensões ao
salário mínimo; a garantia
de um salário mínimo para
todo o idoso que a renda
mensal per capita da família
não ultrapasse um salário
mínimo (1/4 do salário
mínimo); a garantia de que o
aposentado receba o mesmo
número de salários mínimos
que recebia na época em que
se aposentou, além do
recebimento de uma
indenização pelo que não foi
pago e correção dos valores
a receber daí para frente.
O Dia Internacional do
Trabalho – 1º de maio – será
considerado data-base dos
aposentados e pensionistas.
Com relação ao direito à
liberdade, ao respeito à
dignidade (Capítulo II),
destacamos os parágrafos:
“O direito ao respeito
consiste na inviolabilidade
da integridade física,
psíquica e moral, abrangendo
a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, de
valores, idéias e crenças,
dos espaços e dos objetos
pessoais.”
“É dever de todos zelar pela
dignidade do idoso,
colocando-o a salvo de
qualquer tratamento
desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.”.
Goldani (1999) lembra que
são numerosos os resultados
de pesquisas internacionais
que desmistificam a idéia de
que residir com filhos ou
fazer parte de uma família
extensa é garantia para uma
velhice segura ou livre de
violência e maus-tratos.
Denúncias de violência
física contra idosos
aparecem nos casos em que
diferentes gerações convivem
na mesma unidade doméstica (Debert,
1999).
O Estatuto expressa uma
histórica conquista dos
idosos brasileiros,
particularmente daquela
parcela organizada em
diversos movimentos e
entidades, como nos
conselhos municipais e
estaduais do idoso e, mais
recentemente no Conselho
Nacional dos Direitos do
Idoso.
Resta saber se os poderes
públicos poderão tornar
efetivo o cumprimento deste
Estatuto.
Cabe aos idosos tomar
conhecimento de seus
direitos contidos neste
documento e lutar, cada um
dentro de suas
possibilidades, para que
eles sejam respeitados e
cumpridos pelo governo e a
sociedade em geral.
Em vigor desde o dia 1 de
janeiro de 2004, o Estatuto
do Idoso beneficia cerca de
20 milhões de idosos que
vivem hoje no Brasil.
A regulamentação do
Estatuto, no entanto, não é
imediata. Algumas
determinações são
auto-aplicáveis e já estão
valendo deste o início do
ano. Outras ainda dependem
de regulamentação nas
esferas municipais,
estaduais e federal. A
fiscalização da aplicação do
Estatuto do Idoso é de
responsabilidade do
Ministério Público.
Veja como ficou a
regulamentação de alguns
pontos do Estatuto:
Acesso ao amparo
assistencial (Loas) - A lei
prevê a redução da idade
mínima, de 67 para 65 anos,
para concessão do amparo
assistencial. A solicitação
do benefício já pode ser
feita nas
agências do INSS em todo o
País. O amparo é um
benefício, no valor de um
salário mínimo, destinado a
pessoas que não têm
condições de obter seu
próprio sustento ou que a
família comprove não ter
renda para esse objetivo.
Para ter direito ao amparo,
a pessoa precisa comprovar
renda mensal familiar per
capita inferior a um quarto
do salário mínimo (hoje, R$
60). Ao contrário do que
ocorria até agora, o
benefício será concedido
mesmo que outro membro da
família já o receba.
Transportes coletivos
públicos urbanos e
semi-urbanos –
Fica assegurada, aos maiores
de 65 anos, a gratuidade nos
transportes coletivos
públicos semi-urbanos, que
atendem a cidades
localizadas na mesma região
metropolitana, em todo o
País. A gratuidade nos
transportes coletivos
públicos urbanos já é
assegurada aos maiores de 65
anos no parágrafo segundo do
artigo 230 da Constituição
Federal. O benefício já está
valendo e para ter acesso à
gratuidade basta o idoso
apresentar um documento
pessoal que comprove sua
idade. No caso das pessoas
com idade entre 60 e 65
anos, a gratuidade ficará a
critério da legislação
municipal.
Transporte coletivo
interestadual - O
Estatuto prevê a reserva de
duas vagas gratuitas, por
veículo, para idosos com
renda igual ou inferior a
dois salários mínimos. E
desconto de 50%, no mínimo,
no valor das passagens para
os idosos com renda igual ou
inferior a dois salários
mínimos que excederem as
vagas gratuitas. Para sua
efetivação, este item
depende de uma lei federal
específica e atos que a
regulamentem (como decreto
ou portaria). Esta
regulamentação está em
discussão em um Grupo de
Trabalho, instituído pelo
Ministério dos Transportes,
que apresentará parecer
sobre a questão até o final
do mês.
Esporte, Cultura e Lazer
- De acordo com o
estatuto, os idosos terão o
direito a 50% de desconto na
compra de ingressos para
eventos artísticos,
culturais, esportivos e de
lazer. Esse direito depende,
para sua efetivação, da
existência de legislação
específica de competência
estadual. Ou seja, cada
estado deve elaborar uma lei
que discipline a matéria, já
que a competência da União
limita-se a estabelecer as
regras gerais.
Habitação - Nos
programas habitacionais,
públicos ou subsidiados com
recursos públicos, o idoso
terá prioridade na aquisição
de imóvel para moradia
própria, com a reserva de 3%
das unidades residenciais
para atendimento deste
público. Esta determinação
já está valendo e será
adotada pelo Ministério das
Cidades na execução dos
próximos programas
habitacionais do Governo
Federal.
O plano de moradia para
idoso, inclui a assistência
para melhoria das condições
de habitabilidade e
adaptação de residência,
visando
conservação-manutenção e
facilidades para locomoção
do morador-beneficiário.
Procura-se, através da lei,
o estabelecimento de
critérios para acesso da
pessoa idosa à habitação
popular e formas que aliviem
custos cartoriais vinculadas
ao benefício.
O cuidado dispensado aos
velhos pela família é a
forma tradicional de dar
assistência às pessoas
idosas. Na Bíblia, o quarto
mandamento – “Honrar pai e
mãe” – impõe aos filhos
adultos sustentar os pais na
velhice e preservá-los da
miséria e ruína quando
afetados pela fraqueza ou
senilidade.
Ajudando idosos habilitados
Drew Christiansen (1993)
relacionou as possibilidades
das famílias cumprirem com
sua responsabilidade para
com seus idosos:
“Pessoas idosas debilitadas
e cronicamente doentes
sentem várias necessidades:
a) apoio para o sustento
diário; b) cuidados
pessoais; c) companhia; d)
autonomia no tocante a
importantes decisões da
vida.
Apoio refere-se à
assistência em atividades
que fazem parte da rotina
diária: fazer compras,
cozinhar, fazer a limpeza,
pagar as contas e assim por
diante.
Cuidados consistem
essencialmente em tarefas de
enfermagem como dar banho,
vestir e supervisionar a
medicação.
Companhia inclui
compartilhar atividades
sociais como fazer visitas,
ouvir histórias,
compartilhar sentimentos
etc.
Autonomia refere-se à
autoridade que os adultos
capazes exercem sobre os
aspectos fundamentais da
própria vida.
No caso de anciãos
debilitados esses aspectos
incluiriam circunstâncias de
moradia, subsistência,
cuidado da saúde, tratamento
terminal. Quando o idoso
está debilitado seu
interesse por autonomia
sobre toda a gama de suas
opções fica reduzido em
função da necessidade de
apoio, cuidados e companhia.
Na medida em que a família
proporciona estes bens aos
parentes idosos, está
contribuindo para a
dignidade desses entes
queridos idosos.
“À medida que cresce a
debilidade e invalidez,
precisam os velhos confiar
nos outros para obterem as
coisas que antes eles mesmos
providenciavam. Para a
maioria esta dependência
social é preferível às
principais alternativas:
vida isolada e internação
num asilo”.
A respeito das entidades de
atendimento ao idoso, o
Estatuto trata no capítulo
II, art. 48, 49, 50; no
capítulo III, nos art. 52,
53, 54, 55; no capítulo IV,
art. 56, 57, 58; no capítulo
V, art. 59, 60, 61, 62; no
capítulo VI, art. 64, 65,
66, 67, 68.
Conclusão
Sabemos que o maior legado
que podemos deixar para as
gerações que estão se
constituindo é a educação
voltada para o respeito aos
direitos humanos. Só é
possível uma harmonia que
escapa da humanidade.
A velhice deve ser
considerada como a idade da
vivência e da experiência,
que jamais devem ser
desperdiçadas. O futuro será
formado por uma legião de
indivíduos mais velhos e se
não estivermos conscientes
das transformações e
preparados para enfrentar
esta nova realidade,
estaremos fadados a viver em
uma civilização solitária e
totalmente deficiente de
direitos e garantias na
terceira idade.
O Estatuto do Idoso é a
concretização de um sonho
para milhões de idosos que
vivem na miséria e no
abandono sem ter acesso
sequer aos direitos
fundamentais presentes na
nossa Constituição.
O Estatuto pretende
humanizar e aproximar cada
vez mais o idoso da sua
família e da sociedade.
Todos têm um papel
fundamental para a garantia
dos direitos presentes neste
Estatuto, a família, a
comunidade, o Poder público. |